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Nina Lemos

Rafa e as missões na África: o que há de errado com "branco salvador"?

Universa

27/04/2020 04h00

(Foto: Instagram)

Há alguns dias, a influencer Rafa Kalimann, participante do BBB, tem recebido críticas pelo seguinte motivo: ela faz viagens para a África, em missões de ajuda a populações necessitadas. Legal? Sim, súper. Mas, então, por que ela é criticada? Bem, porque ela postou fotos no Instagram cercada de crianças em cenas de pobreza. Em algumas delas, rindo.

Dá para entender as críticas, afinal, são situações de pobreza, gente. Não tem nada de bonito nisso. Mas também dá para entender a boa vontade de Rafa. E ela não é a única, muito pelo contrário. A influencer faz parte de um fenômeno. Por ano, cerca de 1,6 milhão de pessoas viajam para a África para fazer viagens de voluntarismo. Não é uma viagem barata e o "mercado" do turismo voluntário movimenta mais de dois bilhões por ano.

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Esse tipo de turista tem até um nome "white savior", ou "branco salvador". A expressão é irônica e fala das pessoas que, nesse tipo de viagem, perdem completamente a noção. Como? De muitas maneiras. Tirando fotos de crianças, por exemplo, e postando no Instagram com legendas otimistas. Usando roupa de "safari" para andar em uma zona de pobreza, glamourizando a miséria. Existe até um perfil no Instagram fazendo piada com as salvadoras, o "Barbie Savior". Em algumas montagens, ela tira selfies em favelas, em outras, amamenta crianças africanas com Coca-Cola.

A pobreza não é exótica

Se você acha que reclamar disso é exagero. Imagina se alguém chega na sua cidade e começa a fotografar as áreas mais ferradas como se aquilo tudo fosse exótico? Você ia gostar? Eu, carioca, não gosto nem um pouco quando vejo turistas fazendo tours em favelas do Rio e tirando fotos das casas de pessoas como se tudo aquilo fosse exótico. Não é exótico, poxa, é a vida das pessoas. E uma vida dura.

Tirar fotos de crianças também pode ser bem complicado. "Ah, mas que chatice, não se pode nada". Para isso, faço uma pergunta. Vocês tiram fotos de crianças loiras em frente de escolas particulares? Quando essas mesmas pessoas viajam para a países ricos, como a Suíça, elas tiram fotos de crianças saindo do jardim de infância? Saem abraçando elas e fotografando? Não, certo?

Rafa, por exemplo, postou uma foto sorrindo com um bebê recém nascido e escreveu: "Essa delícia perdeu a mamãe no ciclone com 7 dias de vida… Eu esmaguei muuito ele… de presente ele fez xixi na tia Rafa. Meu útero coça!!! Queria levar pra mim."

Cartilha do bom senso

Se é má intenção? Repito que realmente não acho que seja. Acho que é mais falta de experiência com a vida e falta de se colocar no lugar do outro. Afinal, são pessoas. A questão do turista "branco salvador" provoca discussões no mundo todo. Existe até cartilha de comportamento para esses jovens. Lançado pela "Academia Norueguesa de estudantes e acadêmicos internacionais", o livrinho traz dicas de como ser voluntário na África sem agir como um "branco salvador".

"Tenha em mente que pessoas não são atrações turísticas", eles dizem. Simples. Mas no ponto. E, claro, muitas das dicas são sobre fotos, já que as fotos de "voluntariado", "pobreza" viraram tendência nas redes e geram muitos likes (sim, o mundo é louco).

Algumas dicas: peça para a pessoa se você pode fotografá-la. Explique por que está fazendo a foto; pergunte para você mesmo se você gostaria de ser fotografado em situação semelhante; reflita: você gostaria que seus filhos, sobrinhos e primos fossem retratados assim? Se uma criança que você ama estiver em um hospital doente e uma pessoa estranha fizer uma foto dela doente e postar em rede social, você vai gostar?

Sim, são pequenos atos de bom senso que não são muito complicados. Vale a regra de sempre: "tentar se colocar no lugar do outro". Quem vai para a África ou outro lugar pobre aprende muito, claro. Mas pode aprender mais ainda. se pensar algumas vezes mais. Não postar, por exemplo, pode ser uma lição tão valiosa quanto ver a pobreza de perto.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.