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Nina Lemos

Sim, as coisas estão péssimas e você tem o direito de ficar mal, sem culpa

Nina Lemos

11/05/2020 04h00

Crédito: Shutterstock

A gente abre o computador, o celular ou liga a TV e só vê notícias de morte. São mais de 270 mil mortos por Coronavírus no mundo (e o número deve ser muito maior, como apontam vários estudos). E, agora, as estatísticas começam a ter rosto. Cada vez mais, quando abrimos as redes sociais, vemos posts de conhecidos que perderam um familiar ou amigo. Perdemos ídolos, como Aldir Blanc e artista Daniel Azulay. Ontem (10), a covid-19 levou o escritor Sérgio Sant' Anna. Ele foi meu professor e ídolo. O apelido dele na faculdade era deus. Era deus mesmo. Meu escritor brasileiro favorito. Nunca leu nada dele? Então, leia.

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É muito triste. É desesperador. E o pior, cientistas dizem que ainda vai piorar. 

Quem não está com medo? Quem não sente um nó no peito? Só quem está em negação.

Enquanto hospitais colapsam e pessoas não podem se despedir direito dos seus entes queridos, lemos artigos de como é preciso ser produtivo na quarentena, dicas dos melhores looks para ficar em casa e sugestões de como manter a positividade nesse momento. Ok, tudo com muita boa intenção. Mas fato é: não está dando para ser alegre o tempo inteiro. Quem consegue ficar alegre por alguns minutos no dia já está no lucro. 

E a gente tem, sim, o direito de cair, ficar mal, chorar e de, pelo menos um dia, não conseguir levantar da cama.

Claro, não podemos ficar na cama o tempo inteiro, senão vamos ficar doentes (e o medo de ficar doente e não poder ir ao hospital?). Além de tudo estamos sobrecarregadas. Tem que trabalhar (quem tem a sorte de ainda ter trabalho), cozinhar, limpar e, no caso das mães, ser professora dos filhos. Mas… que a gente não se cobre se um dia não der conta. 

Aconteceu comigo semana passada. No dia em que li soube da morte do ator Flavio Migliaccio e assisti ao vídeo de Lima Duarte, aos 90 anos, falando que entendia o amigo, não consegui mais. Atrasei o trabalho. Tive enxaqueca, chorei e não dormi. No dia seguinte, estava um pouco melhor, ótimo. Mas naquele dia não dava.

Não tem como fechar os olhos e não ver o que está acontecendo. Não tem como fingir que não existe gente dormindo na frente da Caixa Econômica Federal para conseguir uma ajuda de 600 reais e assim não passar fome.

No meio disso tudo, ainda tem gente que perdeu o emprego ou está sem poder fazer seu trabalho, como, por exemplo, artistas ou quem trabalha com eventos (só para citar dois casos). Essas pessoas ainda tem que, no meio dessa tristeza, se reinventar. 

Entendo super. Mas que antes de se reinventar nós possamos chorar um pouco por estar sem trabalho no meio de tantas coisas horríveis e de tanta incerteza. Só estar sem trabalho já seria motivo para chorar, certo?

Libera o choro

Por essas coisas todas, acho que a gente deve sentir menos culpa por chorar esses dias. Ok, você tem reunião via videoconferência e tem que estar apresentável? Mas que tenha o direito de fazer a tal reunião por vídeo com os olhos vermelhos e possa dizer para o chefe que está assim porque chorou. Que o choro seja respeitado. Ele é normal. Quem passa por uma pandemia que tem matado mais de 600 pessoas no Brasil por dia (dois aviões lotados) sorrindo é que deve ter algum problema. 

A gente vai ficar mal para sempre? Não, e não é isso que eu sugiro. Mas que não nos culpemos por, de vez em quando, ficar mal. Temos o direito de ficar triste. Mas, mais que nunca, é impossível não ficar. Então, que pelo menos a gente fique triste sem culpa.

Esse é o pior momento do mundo desde a Segunda Guerra Mundial, vamos lembrar disso. É um estado de exceção. Estamos vivendo uma tragédia que vai entrar para a história.  Que a gente chore e se descabele. E depois lembre-se de que, uma hora.. vai passar. Sim, a tristeza também passa. E por isso, como dizem todos os psicanalistas, é preciso vivê-la. 

Se você começar a se culpar por estar mal e não conseguir manter a positividade, lembre do seguinte: todo mundo está meio mal. Como diz uma música antiga do REM. "Todo mundo sofre às vezes. Você não está sozinho."

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.