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Nina Lemos

Caso Bel: até quando crianças vão ser expostas e constrangidas no Youtube?

Nina Lemos

21/05/2020 04h00

Reprodução /Youtube

"Por favor, eu quero ter um canal no Youtube." Todo mundo que é mãe, tia, avó ou próximo de uma criança já deve ter ouvido isso. É normal. Sim, desde que os youtubers passaram a ser superestrelas, é normal que crianças tenham esse sonho. A gente responde que não, assunto encerrado.

A questão complicadíssima é: muitos pais deixam. E, mais que isso, muitos pais extrapolam. E algumas crianças acabam superexpostas, viram provedoras aos 4 anos de idade e submetidas a situações que não são adequadas a menores de idade.

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Prova: de vez em quando algum caso chocante envolvendo youtubers crianças vêm à tona. A base dos problemas é sempre a mesma: crianças submetidas a situações de dor ou constrangimento.

O escândalo do momento é com a youtuber mirim Bel, de 13 anos, e sua mãe, Fran. A família tem dois canais no Youtube: "Bel para meninas", com mais de sete milhões de seguidores, e "Fran para Meninas", que também quase bate esse número.  Ano passado, foi a MC Mellody, na época com 12 anos. Depois de exibir conteúdo das filhas com atitudes e roupas sensuais, o pai foi processado e recebeu uma espécie de "intervenção".

Nesta semana, milhares de usuários do Twitter e seguidores de Bel apontaram alguns problemas no canal "Bel para meninas". No canal, é mostrada a vida de Bel, a estrela, e sua irmã, Nina, 5. Tudo conta com participação dos pais.

Segundo as reclamações, a menina é obrigada pela mãe a gravar os vídeos. E seria forçada a manter um comportamento de criança pequena para que os pais continuem lucrando. O que eu posso dizer é que, olhando aqui de fora, não tem como avaliar essas acusações. 

Mas em relação às acusações sobre o tratamento que a garota recebe nos vídeos, para mim, está claro. É só ver e se chocar. Bel é colocada em uma série de situações constrangedoras e algumas até perigosas.

Em um dos vídeos que causaram mais escândalo, chamado "Bel levada pela correnteza" (só o nome já é inacreditável, como pais podem postar um vídeo com um pesadelo desses?), ela está no mar, tomando caldos e pede socorro para os pais que, ao invés de ajudarem, riem dela e continuam filmando. Em outra cena, a menina, testando "bebidas estranhas", vomita. A mãe ri. 

Bel é submetida a vários desafios (uma mania na internet), mas quem manda na cena é a mãe. Em um deles, ela pede para seguidores sugerirem o que querem que ela faça com Bel. E quebra um ovo na cabeça da filha. O jeito ríspido com que a mãe trata a filha também tem provocado revolta. Em uma cena, elas comem tapioca. A mãe reclama para o marido que o prato não está bom. A filha diz que gostou, no que a mãe responde: "Come tudo e morre engasgada!"

Em uma das cenas que mais me chocaram, ela é jogada na piscina pela mãe, que ri. Bel fala: mas eu estava arrumada, eu estava de lacinho. A mãe dá gargalhadas.

Pode ser que Bel, ao contrário do que pensa quem denuncia, goste de fazer os vídeos. Mas isso significa que é bom para ela? Que é normal que ela passe por essas situações? Uma criança é capaz de decidir o que é bom para elas? Não é para isso que existem pais, tios, amigos, professores e a sociedade adulta em geral?

Na vida adulta, que traumas podem ser causados em uma criança que é jogada na piscina pela mãe (eu juro que não vi a menor graça)? E que impacto pode trazer a uma adolescente ter a vida toda exibida na internet para milhões?

Se excesso de exposição é um problema sério para qualquer adulto, imagina para menores de idade. Ter a vida transformada em reality é bom? E em um ambiente agressivo como a internet?

"Ah, mas eles são os pais, fazem o que quiserem", posso ouvir daqui. Mas não é exatamente assim, né? Somos uma sociedade que deve reagir a absurdo e zelar pelas crianças, mesmo as que não sejam nossas filhas.

E o Youtube, onde os vídeos são exibidos, também precisa cuidar do que permite acontecer na plataforma, certo? Procurado pelo blog, a empresa respondeu que a plataforma é voltada para adultos e que eventual uso por crianças deve seguir as recomendações:

"O YouTube é uma plataforma aberta e destinada a adultos. Seu uso por crianças sempre deve ser feito em contexto familiar e em companhia de um adulto responsável. Em relação ao conteúdo gerado por usuários, todos devem seguir nossas Diretrizes da Comunidade. Oferecemos artigos em nossa Central de Ajuda com mais informações sobre como manter a segurança de menores e práticas recomendadas para conteúdos com crianças, cabendo sempre ao criador a responsabilidade de cumprir a legislação aplicável. Além disso, a plataforma dispõe de recursos para os usuários denunciarem conteúdo que considerem violar nossas diretrizes. Quando não há violação à política de uso do YouTube, a análise final sobre a necessidade de remoção de conteúdo cabe ao Poder Judiciário, nos termos do Marco Civil da Internet."

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.