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Nina Lemos

Ansiedade pós-lockdown: quando a possibilidade de voltar a sair causa medo

Nina Lemos

22/05/2020 04h00

As coisas não vão ser como antes — pelo menos não antes que haja uma vacina. (Foto: iStock)

O que você vai fazer quando o confinamento acabar? Enquanto muita gente fala que vai sair correndo, ir para a praia e a encontrar os amigos, outros sentem arrepio só de imaginar essa possibilidade. Louco, sim? Mas pense: você vai se sentir super bem na rua sabendo que o vírus ainda está por aí?  A realidade é essa: os países saem do isolamento antes que exista uma vacina. O vírus continua, mas quando os casos diminuem, a vida também tem que continuar e… vem o medo.

Na Europa, onde o confinamento acabou na maioria dos países (apesar de ainda existirem restrições grandes), o medo de voltar a sair, mandar os filhos para a escola e ir para o escritório já tem um nome: ansiedade pós-lockdown. Entre os sintomas: medo de sair na rua e ser contaminado, medo do futuro e sensação de falta de controle.

Claro, se a gente está trancado em casa, tem a sensação de estar totalmente livre do vírus. Na rua, o medo retorna. E tem mais: por estranho que possa parecer, algumas pessoas acabam se acostumando com o isolamento. E não querem voltar para a vida que tinham antes. 

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Volta às aulas

Na Inglaterra, um estudo feito pelo pelo instituto de pesquisa Ipsos Mori descobriu que dois terços dos britânicos disseram se sentir desconfortáveis ao usar o transporte público ou ir a restaurantes. Metade deles tem medo de mandar os filhos de volta para a escola.

A artista visual Tuca Paoli, que mora em Berlim, na Alemanha, passou por isso. Quando, depois de dois meses, sua filha de oito anos foi liberada para voltar para a escola, sua primeira reação foi não deixar. "Ela voltou depois dos colegas, mas acabei deixando porque sabia que ela sentia falta dos amigos e vi que as condições eram boas. E ela só tem aula duas vezes por semana." O filho mais novo, Tom, de cinco anos, continua em casa. "Não quero que ele volte para o jardim de infância agora. Criança pequena não tem como controlar, ensinar a fazer distância social."

Ela diz que, no entanto, tem lutado contra o medo. "Outro dia fui a um restaurante com o meu marido, sentamos do lado de fora, com distância social. Ele entrou e pegou um vinho. Aos poucos estou voltando a sair um pouco, mas com muito cuidado e muito devagar. O vírus não foi embora. Ele está aí. Mas uma hora a gente tem que voltar a viver."

Confissão: eu, autora desse texto, também moro em Berlim e não tenho ideia de quando voltarei a usar transporte público. E, quando soube que o comércio abriria, em vez de sentir alívio, senti medo e até raiva. Tenho, como muitas pessoas, medo de que a abertura tenha sido cedo demais.  Aos poucos voltei a sair, mas sozinha e em lugares abertos.

Como vai ser no Brasil?

No Brasil, onde o fim do confinamento ainda é uma ideia distante, o medo desse momento já assusta muitos. "Sinto arrepio de pensar no fim do confinamento. Como sentir-se seguro em sair de casa sabendo que estamos todos vulneráveis a um vírus que reage de formas diferentes em cada pessoa?", diz  a jornalista Milena Ferreira, que mora em Maceió. "Minha preocupação também é com o meus pais. Como vou me sentir com eles saindo por aí livremente antes que haja uma vacina?"

Milena se preocupa também com a filha, que está na faculdade. "Como será essa volta às aulas? Do jeito que era é impossível", diz. Ela também faz uma segunda faculdade. "Lembro de toda aquela manifestação e sinto medo e não desejo o retorno."

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.