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Nina Lemos

Dolce & Gabbana releva pandemia e faz desfile com convidados. Como assim?

Nina Lemos

17/07/2020 04h00

Reprodução/ Instagram @
dolcegabbana

Essa semana, o mundo chegou ao total de 13 milhões de casos de coronavírus, com um registro de mais de 550 mil mortes. Na Itália, país duramente atingido pelo vírus, foram registrados, até agora, mais de 35 mil mortes. 

E como a marca italiana Dolce & Gabbana resolveu lidar com isso e com esse novo tempo em que vivemos? Fazendo um desfile de moda presencial, com plateia, modelos sem máscara e muito luxo em Milão, cidade que foi um dos epicentros do vírus.

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Os criadores da marca resolveram manter o faz de conta do qual o mundo da moda muitas vezes é acusado (com razão). Esses dias, acontece a temporada de moda masculina de Milão. As grifes, claro, tinham a opção de fazer shows online. Duas dela ignoraram a realidade e resolveram fazer shows presenciais, com convidados: a Etro e a Dolce & Gabbana.

A explicação dada por um dos criadores da marca italiana para a Vogue mostra o quanto certas pessoas da moda se comportam como crianças mimadas. "Eu não GOSTO da solução de desfiles online. O desfile de moda não pode ser substituído por algo em uma tela. Nós precisamos de contato físico, de conexão humana. Porque a moda começa com pessoas", disse um dos criadores da marca, Domenico Dolce. 

Sua explicação faz uma criança de quatro anos parecer madura. É claro que ninguém GOSTA de estar isolado socialmente. Ninguém GOSTA de não poder viajar para visitar os pais. Não gostamos de nada disso pelo qual estamos passando. Mas é a realidade que se impõem, como dizem os psicanalistas. E como não somos crianças, não podemos negá-la.

Mas uma parte do mundo da moda ainda acha que pode tudo, como se fosse diferente dos outros. A impressão que fica nesse momento? Que são pessoas que sofrem de um distúrbio de conexão com a realidade.

Ok, o desfile foi "diferente". Primeiro, foi realizado em uma escola de medicina, a Humanitas, para quem a grife doou milhares de euros. Essa solução não engana, certo? Sim, legal que eles doaram dinheiro. Mas isso serve de desculpa para fazer um desfile de moda presencial em plena pandemia? Parece que o velho normal da moda, aquele que diz que o dinheiro compra tudo, agiu aqui de novo.

Os convidados tiveram suas temperaturas checadas, o desfile foi ao ar livre e eles foram orientados a usar máscara (nas fotos e vídeo do desfile, dá para ver que nem todos fizeram isso). As cadeiras, onde convidados se sentaram (ostentando modelos de luxo) foram colocadas uma mais distante da outra. E foi isso.

Na passarela, modelos masculinos desfilavam sem máscara mostrando peças de luxo. Como se nada tivesse mudado. Como se o mundo ainda fosse o mesmo. As imagens são surreais. 

Muitas coisas são absurdas nessa "volta". Algumas delas são práticas. Viagens e deslocamentos, no momento, por exemplo, são permitidas dentro do continente Europeu no momento. Mas desaconselhadas. 

Sim, os países do continente parecem já ter passado pelo pior (mas sempre existe um temor de uma segunda onda) mas a vida está longe de ser normal. Agrupamentos de pessoas, por exemplo, são desaconselhados (e, em alguns países, proibidos). 

Na Alemanha, onde moro, os clubes e bares noturnos continuam fechados e só devem abrir ano que vem. Todas as lojas têm limites para o número de pessoas dentro dela e o uso de máscara é obrigatório. O desfile seria impensável por aqui. Falo isso para explicar que a situação na Europa, apesar da curva achatada, não está normal, de jeito nenhum. 

Que pandemia?

Vendo o vídeo do desfile, o que parece é que esse medo de segunda onda não existe. Inclusive, parece que nunca houve pandemia mundial de Coronavírus, nem que estamos próximos de uma recessão mundial. 

E como eram as roupas? Bem, elas são bonitas, os modelos também. Mas, como diz uma amiga, o clima de "comensais do Titanic", em vez de trazer alegria (um dos propósitos da moda) deprime. 

No início da pandemia, muitos falavam sobre um "novo normal", sobre uma vida menos consumista, com menos ostentação. No que depender da Etro, da Dolce & Gabanna e seus amigos, isso não vai acontecer. A moda, no que depender deles, vai ficar ainda mais excludente e fora da realidade. Uma tristeza.

 

 

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.