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Depressão e suicídio: música de Emicida, Pabllo e Majur é muito importante

Nina Lemos

01/07/2019 12h01

"Tenho sofrido demais, tenho chorado pra cachorro, ano passado eu morri, mas  esse ano eu não morro". O rapper Emicida pegou a frase de Belchior (da música "Sujeito de Sorte") emprestada para fazer uma das canções mais importantes do ano, "AmarElo". O tema: depressão, suicídio e superação.

Lançado semana passada, o clipe já tem mais de 1,6 milhão de visualizações no Youtube. O rapper fala de depressão, perda de esperança e da necessidade de ficar bem e se cuidar ao lado de Pabllo Vittar e Majur, cantora que se define como não-binária (não se identifica nem com o gênero masculino nem com o feminino). Nada mais adequado para 2019, um ano em que muitos estão tristes e sem esperança.

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Emicida toca em um ponto sensível e super importante: a depressão e o suicídio entre homens (as estatísticas mostram que eles se matam mais que mulheres). No caso dos negros, os números são ainda maiores. E a depressão para quem é do sexo masculino costuma ser ainda mais silenciosa, já que poucos têm coragem de pedir ajuda e muitos demoram para fazer isso.

À beira do abismo

No início do clipe de "AmarElo", um jovem manda uma mensagem de voz para um amigo onde diz coisas como: "Desculpa ligar essa hora da madrugada, mas sei lá, véio, não tô conseguindo dormir essa a semana. Não queria incomodar ninguém. Já dei peso demais para as pessoas…. Eu guardo muitas coisa para mim. Parece que depois daquela merda lá eu tenho que demonstrar que estou bem todo dia, tio. E nenhum ser humano consegue estar bem todo dia." Enquanto isso, imagens como remédios, a beira do mar vista de uma ponte (como se o narrador quisesse se jogar)  e sangue em um banheiro são exibidas. Sim, o rapaz está literalmente na beira do abismo.

"Parece que essas porras de remédios não adiantam nada, mais de um ano tomando essas porra", diz o sujeito, chorando. Em seguida, a mensagem positiva com a voz de Belchior grita: "Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte. Porque apesar de muito moço me sinto são e salvo e forte. Deus é brasileiro e anda do meu lado, tenho sangrado demais, tenho chorado para cachorro. Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro". E voz de Emicida grita: "eu preciso cuidar de mim". 

Estatísticas dramáticas

Por que é tão importante falar sobre isso?  Segundo dados do Ministério da Saúde, o suicídio é a terceira maior causa de morte entre homens de 15 a 29 anos. No caso das mulheres, é a oitava causa. Segundo estudos da Unifesp, o risco de um homem se matar é três vezes maior do que o de uma mulher.  

A situação fica mais dramática no caso de homens negros. Segundo dados do Ministério da Saúde, entre 2012 e 2016, o risco de suicídio entre eles aumentou 12%, enquanto o número entre brancos permaneceu estável. A Sociedade de Medicina de Família e Comunidade lançou esse ano uma cartilha atentando sobre os riscos, chamada "Óbitos por Suicídio entre Adolescentes e Jovens Negros". Segundo a SBMFC,  o índice de suicídio é 45% maior na população negra quando comparada aos brancos. 

Entre LGBTs, a situação também é dramática. Segundo dados do Grupo Gay da Bahia, a cada 19 horas, um LGBT é assassinado ou se suicida no Brasil. Estudo feito pela  pela University College Cork, na Irlanda e publicada no Jornal da Sociedade Americana de Medicina, mostra que 40% dos gays adolescentes já pensaram em suicídio. Majur e Pabllo Vitar, quando cantam "esse ano eu não morro" estão dizendo não para essas estatísticas. 

"Só eu e Deus sabe o que é num ter nada, ser expulso. Ponho linhas no mundo, mas já quis pôr no pulso", canta Emicida. Mas o clima da música é de superação. A mensagem é otimista. "Olha o sol que invade a cela", grita o rapper, enquanto Majur e Pabllo Vittar gritam o refrão:  "ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro!"

 No fim do clipe, ele dá o recado: "Enxuga essas lágrimas, certo? Respira fundo e volta pro ringue. Cê vai sair dessa prisão. Cê vai atrás desse diploma. Com a fúria da beleza do sol, entendeu? Faz isso por nóis, faz essa por nóis. Te vejo no pódio." E juntos, os três sobreviventes, insistem: "esse ano eu não morro."

Mais do que uma música, Emicida presta um serviço. Muitos homens e LGBTs podem ver e ter coragem de falar sobre depressão pela primeira vez após ouvir a canção. E, para todos nós, a potência da arte, nesses tempos difíceis, ajuda, e muito.

Em um momento em que o Brasil tem 13 milhões  de desempregados e 4,7 milhões de desalentados (pessoas que já não tem esperança de conseguir um emprego, por isso pararam de procurar) "AmarElo" é um hino poderoso. Repetindo o rapper: "eu preciso cuidar de mim."  Precisamos cuidar de nós.

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Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.