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Rita von Hunty, a drag que ensina política no Youtube: "Sou anti-machista"

Nina Lemos

23/12/2019 04h00

De salto alto, batom vermelho e cabelo estilo anos 50, ela fala sobre temas complexos, como o filósofo Adorno, fake news, Luta de Classes.  Tudo com humor fino e calma, sem cair do salto. A persona em questão é a drag queen Rita Von Hunty, um dos fenômenos mais interessantes (e adorados) do Youtube de 2019.

 Rita, a persona do professor e ator Guilherme Terreri, de 29 anos, quebra vários clichês. Drag queen só sabe rir, fazer piada e animar festas? Pois Rita dá aulas sobre temas difíceis. Professor é chato e, como diz Guilherme, "homem e branco"? Pois ele/ela coloca piadas no meio e dá aulas vestida como uma pin up.

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Formado em artes cênicas e Letras, Rita (ou Guilherme) é uma drag queen feminista. Seu canal, "O Tempero Drag", tem um quadro chamado "mulheres fodas da história." "Sou anti-machista"", ele diz, em entrevista a Universa. 

 Guilherme começou o canal em 2015 falando sobre culinária vegana. Até que… "o Brasil me levou a isso. Eu tinha obrigação de me posicionar. Sou um 'artivista'. E agora é tanta coisa acontecendo que eu não consigo nem tirar férias", ele diz. 

A culinária ficou de lado, Guilherme passou a explicar temas urgentes e atuais, discurso de ódio e guerra às drogas.

O ator-professor  estudou teatro no Rio de Janeiro e dá aulas desde os 14 anos. Em 2011, aos 21 anos, largou a vida no Rio para acompanhar a mãe no tratamento contra um câncer em São Paulo. Foi fazer Letras na USP e, depois da morte da mãe (em 2012), em um Carnaval, se vestiu de Drag para ir a uma festa. 

 Hoje, o professor vive de "ser Rita". Ele posta um vídeo por semana no canal, que tem mais de 270 mil seguidores, e dá aulas abertas em espaços culturais, além de participar do Reality Show "Drag me as a queen."

"Vou dar aula montado de Rita e explico marxismo", ele conta.  Rita é também um ícone. Existe, inclusive, um grafite no centro de São Paulo com a cara dela. Leia a seguir trechos da entrevista de Guilherme (ou Rita) para o blog. 

 A Rita é uma personagem serena, que fala sobre assuntos polêmicos e difíceis sem se alterar. Você também é assim na vida real?

Eu sou calmo. Eu passei por muita coisa na vida, se não fosse controlado não teria aguentado.  Eu sou muito pragmático. Não sou uma pessoa que grita, se enraivece. Eu lido bem com o controle das minhas emoções. O que não quer dizer que eu não brigue, porque agora é fundamental que a gente brigue. Agora, não me altero emocionalmente, me resguardo.

 Quem dá aula: a Rita ou o Guilherme?

A Rita é uma persona. Alguma coisa que existe dentro de mim e eu coloco para fora com uma grande lente de aumento. Eu acho que ela não é um personagem porque ninguém conseguiria interpretar a Rita. A única pessoa que pode fazer a Rita é o Guilherme. Hoje eu trabalho só como Rita, e dou aula montada como a Rita. Agora, quem está ali dando aula, se é a Rita ou o Guilherme, ninguém sabe mais. Nem eu. (risos) 

A Rita te ajudou a ser menos machista?

Por ser homem e viver em uma sociedade que é misógina e machista, sempre vai existir esse traço. A gente tem que se vigiar o tempo todo. A Angela Davis tem uma frase maravilhosa. Ela diz que em uma sociedade racista, não basta não ser racista, nós temos que ser anti-racistas. Então, eu acho que em uma sociedade machista e misógina, nós temos que ser anti-machistas e anti-misóginos.

Sim, e isso se manifesta até nas mulheres…

Sim, as mulheres repetem: "ah, mulher não pode ser amiga de mulher". "Ah, para fazer isso só podia ser mulher". Se você pensar nas narrativas clássicas, ou até nas mais populares, como a Disney, pode ver: as vilãs são sempre mulheres que brigam com outras mulheres. A Pequena Sereia briga com a Úrsula e por causa de quem? De um príncipe! Gente, a Branca de Neve briga com a madrasta, tudo por causa de um príncipe!  É assim que as mulheres são retratadas nessas histórias que foram escritas por homens. É uma cultura que está extremamente preocupada em manter as mulheres desunidas.

Por que você acha que interessa que as mulheres sejam desunidas? 

Eu acho que as mulheres unidas podem mudar o curso da história. E isso não sou eu que estou falando. Muita gente já falou. Tem uma peça  da Grécia Antiga chamada Lisístrata que conta a história de uma greve de sexo feita por mulheres. Todas as mulheres da Grécia se uniram e falaram: "se a guerra não acabar, não vamos mais transar". Em menos de uma semana, elas acabam com a guerra. Acho que existe esse medo de que as mulheres se unam. Porque se elas se unirem, acabou. O futuro da humanidade vem das mulheres.

A Rita te ajudou a lidar com a morte da sua mãe? Ela é uma referência importante para você?

Sim. A mais importante. Agora, não sei se ajudou a lidar. Talvez, mas não foi consciente. A Rita foi mais uma conexão com as artes cênicas do que um resgate da minha mãe. Mas ao mesmo tempo, ao perfomar essa mulher, eu uso os referenciais de mulheres que marcaram a minha história, como a minha mãe, a minha avó.

Como você acha que os homens e a comunidade LGBT podem ajudar na luta das mulheres?

 O primeiro ponto para lutar pelo feminismo é entender o que é o patriarcado, como ele se desenvolve. O ponto número dois, é a conscientização do privilégio. Só depois de reconhecer seu privilégio, você pode lutar pela igualdade. Eu, por exemplo, só trabalho com mulheres. Toda a renda que eu posso gerir, eu divido com mulheres. Outro ponto importante é se entender como coadjuvante. Temos que abrir espaço para as mulheres. Assim como as pessoas brancas que lutam contra o racismo. 

Você é drag intelectual, de esquerda e vegana. Você reconhece que quebra muitos estereótipos?

Existem dois estereótipos sobre drag que meu trabalho luta contra. Uma é que a drag é uma caricatura do feminino. Eu não sou isso. Eu não acho que as mulheres são seres risíveis, para fazer piada. O outro é que drag só fala de maquiagem, roupa e sexo. E a minha drag não fala sobre essas coisas. Ao mesmo tempo eu tento quebrar o estereótipo também de que todo professor é homem, branco e pedante. Não existe só um jeito de ser intelectual..

A Rita sofre mansplanning?

Sim, claro! Eu sofro mansplaining e "womansplaining!" Os dois lados se sentem no direito de me explicar que eu não sei do que eu estou falando (risos). Ah, e tem também o "gaysplaining". Um dia apareceu um gay e comentou em um vídeo: "como você pode falar sobre mulheres em um canal LGBT." Oi??? Fiquei tão chocado que fiz um vídeo sobre isso. Então, tem isso também, tem gente que tenta me ensinar o que posso fazer sendo gay. Quero quebrar todos esses estereótipos.

Como professor, você acha que o Ministro da Educação passaria em um concurso para ser professor?

Olha, sinceramente, acho que não. Ele não está gabaritado para isso (risos). Vivemos um momento histórico, em que pessoas que nunca passariam para ser alunos em Harvard falam mal do Paulo Freire, que foi professor em Harvard. A minha geração vai ser a responsável pelo primeiro congresso nacional de terraplanistas. Esse é um momento histórico sem precedentes!

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Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.