"Quem mandou casar com velho?" Ataque à Luisa Mell mostra epidemia de ódio
Nina Lemos
31/03/2020 04h00
Reprodução/Instagram
A pandemia do coronavírus tem provocado uma onda de ódio aos idosos. Para quem não lembra, teve Roberto Justus, de 64 anos, falando que o Corona só matava uns "velhinhos" e o presidente Jair Bolsonaro reafirmando isso várias vezes. Agora, o ódio chegou também a pessoas que não são jovens, mas que também estão longe de serem velhas.
O exemplo mais chocante aconteceu com a ativista Luísa Mell , de 41 anos, e seu marido, Gilberto Zaborowisky, de 58. Os dois foram contaminados por coronavírus e o caso evoluiu para pneumonia. Ele precisou ser internado. Em pânico, ela postou vídeos pedindo orações para o marido, chorando com a situação. Junto com votos de melhoras, eles receberam uma onda inesperada de ódio. Entre os comentários, frases do tipo: "bem feito, quem mandou casar com um velho?"
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Antes de tudo, ele não é velho. Mas.. e se fosse? Ela teria culpa na doença do marido? Ela merece ser punida por ter casado com quem ela gosta (independente da idade da pessoa)? E ele, merece ficar doente? Se todo mundo que ficar internado por causa do coronavírus tiver mais de 55 anos está "de boa"? As companheiras ou companheiros que sofrerem de preocupação… mereceram?
E as pessoas que são diabéticas? Se ficarem doentes de coronavírus é porque elas merecem? E quem casou com alguém com doença crônica e sofre agora com o medo do companheiro ficar seriamente doente? Ela merece? Que doente ou que parceira merecem isso? Ninguém, né?
Luísa Mell tem 41 anos e nenhuma doença pré-existente – sim, o vírus pode ter efeitos fortes em qualquer pessoa! A apresentadora tem feito um trabalho importante de conscientização sobre a doença, dizendo e mostrando que não é só uma gripezinha e que está sofrendo (ela também está com pneumonia).
No caso do marido, ela desabafou sobre o preconceito: "As pessoas estão dizendo: 'Quem mandou casar com um velho?'. Como a nossa sociedade se tornou tão cruel, tão mesquinha? O que esperar de um povo que não respeita os mais velhos, que quer diminuir a importância da vida de uma pessoa que tem 58 anos? As pessoas mais velhas merecem todo o nosso respeito. Tudo o que somos hoje, devemos aos que vieram antes de nós. Isso é o básico", disse.
Concordo com ela. E vou além. Talvez o ódio aos mais velhos já estivesse dentro das pessoas e tenha aflorado — muita coisa ruim tem vindo a tona– junto com a epidemia. Pessoas mais velhas são discriminadas em ambientes de trabalho. Chamar de velho é um xingamento comum na internet — como se isso fosse defeito, como se todo mundo não fosse envelhecer!
Já está provado que o coronavírus não atinge apenas pessoas mais velhas. Inclusive, quase a metade dos casos graves no Brasil registrados até agora foram em pessoas de menos de 60 anos. Mas esse pensamento de "é só com os velhos" talvez sirva para que os jovens pensem que estão imunes (ninguém está!) e, por isso, não devem ter medo. Pode funcionar como defesa para quem está apavorado. Dá até para entender psicanaliticamente.
Mas essa defesa é prima irmã do preconceito.
E, claro, ajuda a espalhar o vírus. Quem acredita que a doença não atinge os jovens ou que por ter "histórico de atleta" vai ter apenas "uma gripezinha" pensa que é invencível. Quem não obedece o isolamento social pode ajudar a espalhar o vírus (da COVID-19 e da ignorância).
Ninguém quer ou escolheu estar na situação de Luísa (sozinha, com pneumonia, preocupada com o marido que está hospitalizado.) Isso pode acontecer com qualquer um de nós. Agora, não ser solidário, agir com ódio e ignorância… bem, isso dá para escolher sim.
Sobre a autora
Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.
Sobre o blog
Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.