Alemanha tem protestos "contra Corona", mas quem participa pode ser preso
Nina Lemos
18/05/2020 16h09
AFP
Não é só no Brasil. Desde que a o governo alemão criou um pacote de restrições para evitar a propagação do coronavírus, centenas de pessoas têm ido para as ruas no país protestar contra as medidas, contra o coronavírus em si (que alguns teóricos da conspiração acham que é "uma invenção") e contra o que chamam de "ditadura do Corona."
No último fim de semana, foram registrados protestos desse tipo em todo o país. Só em Berlim mais de mil pessoas (entre manifestantes de extrema direita e teóricos da conspiração) participaram de um desses no último sábado, 16. Antifascistas também participaram, mas em protestos contra as manifestações – isso é uma tradição na Alemanha. Resultado: cerca de 200 pessoas foram presas só em Berlim, onde, no momento, só são permitidas manifestações de até 50 pessoas.
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Existem algumas diferenças básicas entre os protestos anti-corona na Alemanha (e em outros países , eles acontecem praticamente no mundo todo) em relação aos protestos no Brasil. Primeiro: eles não contam com participação de pessoas do governo. E segundo: eles são reprimidos.
Esse fim de semana, mais uma vez, como já virou hábito, Jair Bolsonaro participou de um protesto desses em Brasília. Na Alemanha, o fato de presidente do Brasil ter participado de um protesto desses é visto como uma piada e um escândalo. Seria impensável que algum político alemão sério fosse a uma manifestação dessas.
E, mesmo se participassem, até políticos poderiam ser presos nesse tipo de manifestação. No sábado, uma das fundadoras da AFD (partido de extrema direita) foi detida em Berlim no protesto. O partido, famoso por ser contra direitos de imigrantes e pelas declarações racistas de seus participantes é o único do país a participar dos tais protestos, que contam também com a presença de neonazistas.
Ataque a jornalistas são inaceitáveis
Ontem, a jornalista Clarissa Oliveira, da TV Bandeirantes, foi agredida por uma participante do protesto em Brasília. Pois bem, os ataques à imprensa acontecem também na Alemanha. Aos gritos de "lugen press" (imprensa mentirosa, termo que era usado também pelos neonazistas), uma equipe do Canal de TV ZDF foi atacada no começo de maio perto de uma dessas manifestações em Berlim. Algumas semanas depois, foi a vez de profissionais da TV estatal ARD sofrerem ataques.
Sim, existe gente radical no mundo todo. E, nesse momento, por trazermos informações, alguns nos vêem como inimigos, o que é uma loucura, já que não inventamos o Coronavírus. A gente só informa sobre ele porque a pandemia é uma realidade.
A diferença, de novo, está no tratamento que o governo da Alemanha dá para os ataques. Enquanto Jair Bolsonaro, que vive maltratando a imprensa, não disse nada sobre o ataque sofrido por Clarissa, Angela Merkel condenou duramente os ataques, que estão sendo investigados.
"É lamentável que mesmo aqui, em uma democracia, jornalistas e repórteres sejam atacados. Uma democracia precisa de fatos e informações", disse a chanceler.
Ou seja, existem negacionistas e radicais em todo canto. A diferença é como eles são tratados. Fica mais sério ainda quando um presidente da república faz parte dessa turma…
Sobre a autora
Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.
Sobre o blog
Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.