Pós-quarentena: comércio da Alemanha tem lojas vazias, regras e descontos
Nina Lemos
12/06/2020 04h00
Porta de uma loja da rede H&M (foto: Nina Lemos)
Corredores vazios, marcas no chão que indicam onde cada pessoa deve se posicionar em caso de fila e muitas placas de desconto misturadas com máquinas de álcool gel. O cenário na rua de comércio mais famosa de Berlim, a Kufurstendamm, mostra uma nova realidade que não tem nada de normal.
Na Alemanha, o comércio está totalmente aberto desde o dia 16 de maio, já que (por enquanto), a pandemia de coronavírus está controlada. No momento, são cerca de 300 casos novos por dia em todo o país. No auge da epidemia, no fim de março, o número chegava a seis mil por dia. Nesse momento, todo o comércio foi fechado (com exceção de supermercados e farmácias) e assim ficou por dois meses.
Até hoje eu não tinha voltado a nenhuma loja. Mas peguei a bicicleta (mais seguro) e fui até a zona comercial para comparar com as cenas que via de São Paulo, no auge da epidemia (são cerca de 6 mil novos casos por dia no momento no estado), com as ruas lotadas. A discrepância é gigante. Na Alemanha, as pessoas parecem estar com medo de comprar.
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Por mais que as lojas tenham aberto (em horários normais, com muito menos restrições do que em algumas cidades do Brasil), os consumidores não apareceram em massa.
O movimento nas lojas nos países que reabriram o comércio tem sido baixo na Europa. As lojas de roupas, por exemplo, têm registrado movimento mais que 50% menor do que antes do coronavírus, segundo associações de lojistas. E, sim, as pessoas estão gastando menos dinheiro com roupas e mais com supermercado (faz sentido, certo?)
As enormes placas vermelhas indicando liquidação (um misto de ofertas normais de verão com queima total pós -lockdown) não parece ser o suficiente para atrair consumidores. O número de pessoas dentro de cada loja é limitado. Por isso, espera-se filas do lado de fora, assim como vemos diariamente nos supermercados. Mas até as filas eram raras.
Vi uma fila, na Zara. Fiquei nela por cerca de 10 minutos, separada pela distância de 2 metros dos outros clientes. Dentro, a loja estava vazia. Uma dupla de meninas jovens carregava várias peças para o provador, mas a maioria dos clientes saía de mãos abanando.
Na quarta-feira, foi anunciado que a Zara, por causa da crise causada pelo vírus, iria fechar mil e duzentas lojas no mundo e esperava, até 2022, que as vendas online representem 25% das compras.
Na porta da Primark, loja conhecida mundialmente por ser super barata e popular, cheguei a achar que o local estava fechado. O burburinho de clientes do lado de fora não existia. Quando você entra, tem que passar álcool gel na mão e pegar um carrinho (como acontece em supermercados da Alemanha).
"Mas, claro, nós, de classe média, estamos com medo de perder nossos empregos, de uma grande recessão. Com os ricos, não deve ser assim", pensei.
Por isso, entrei na KDW, a loja de departamentos mais chique da Alemanha, que vende grifes como Gucci e Cartier. Alguns homens de terno usavam panos máscaras de grife no rosto e existia uma pessoa esperando na entrada do estande da Louis Vuitton.
Na parte de moda feminina, que abriga grifes como Dolce & Gabbana e Alexander McQueen, a sensação era de andar em um museu vazio, diga-se de passagem. "Por que você acha que está tão vazio? As pessoas estão com medo do COVID?", pergunto para a vendedora da Max Mara. "Não acho que seja medo. É mais porque as pessoas não estão viajando nessas férias", diz a vendedora.
Férias? Mas as férias são em agosto. Fiquei com pena dela e não argumentei. Mas em parte ela tem razão. Os turistas não estão lá (a loja atrai turistas abastados do mundo todo e, nos bons tempos, muitos brasileiros também).
Comprar virou uma chatice
A experiência de compra em época de Covid-19, mesmo com as lojas funcionando "normalmente", quando bem organizada é… chata. Mesmo quem adora fazer uma compra talvez não ache mais graça daqui para frente (e não estou falando de razões existenciais, mas práticas mesmo). Na Uniqlo, a loja japonesa que faz sucesso no mundo todo, os bancos estão embalados com faixas amarelas e cartazes escritos "não sente". A única coisa que parece valer a pena mesmo são os descontos.
Confissão: aproveitei que estava por lá e comprei uma calça jeans com preço três vezes mais barato. Se eu voltaria para comprar? Não. Um desconto não vale o perrengue. E nem a culpa. Afinal, o coronavírus não desapareceu… Compra normal? Sinceramente? Só depois que existir uma vacina…
Sobre a autora
Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.
Sobre o blog
Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.