"É coisa de viado”: quando a homofobia é perigosa para os homofóbicos
Universa
08/07/2020 15h50
Imagem: Adriano Machado/Reuters
"Usar máscara é coisa de viado". Segundo nota publicada pela colunista Mônica Bergamo, essa seria uma frase dita com frequência pelo presidente Jair Bolsonaro, diagnosticado na segunda-feira com Covid-19. Ele, inclusive praticaria bullying em quem aparecesse de máscara no Palácio do Planalto usando a mesma piadinha do "viado."
Se isso surpreende? Nem um pouco. Principalmente porque conheço muitos homens estilo Bolsonaro. Consigo imaginar tios e pais de amigos usando esse tipo de argumento. "Que isso, homem que é homem não precisa dessa frescuragem. Homem que é homem não pega essa coisa aí, pô."
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Essa categoria de homens (a maioria deles é da idade do presidente para cima, mas existem mais novos também) consegue transformar em "coisa de viado" itens simples como, por exemplo: capacete de moto ou de bicicleta, vitaminas, comer frutas e legumes e usar cachecol quando está frio.
Chega a ser engraçado, não fosse trágico, que homens arrisquem a própria vida para não correr o risco de "parecer viado." Nesse caso, a masculinidade tóxica é tão pesada que intoxica (literalmente) o próprio indivíduo. E a homofobia pode matar não os gays que eles detestam, mas eles próprios.
Esses homens acham que são tão machos que não precisam de vacina, camisinha ou proteção. Doenças seriam "frescuras" e os cuidados para evitá-las são "coisas de viado."
Se esse comportamento afetasse só a vida deles, a gente ainda podia pensar que era liberdade de escolha. Cada um que lide com as suas. Mas… bem, quem não usa máscara pode infectar outras pessoas.
Ser "macho" seria desrespeitar o que aconselham os especialistas, "essas pessoas cheias de frescuras."
Esse comportamento é perigoso, afinal, o cara que não usa camisinha, muitas vezes, contamina seus/suas parceiros (as) sexuais. Quem não respeita o limite de velocidade (essa outra frescura) ameaça vida de pessoas. Masculinidade frágil mata.
Isso não é novidade. Estudo feito pela Universidade de Sussex em parceria com a Berkley comprovou que homens têm mais resistência a usar máscara durante a pandemia justamente por causa da tal masculinidade frágil. Inclusive já escrevi sobre isso aqui.
Na época, há um mês, Bolsonaro tinha dito: "vamos enfrentar o vírus como homens, pô". Desculpem, homens conscientes, mas é o que o presidente tem feito. E esse enfrentamento estilo "homem" tem feito o Brasil ser considerado um dos países com pior gestão da crise do Coronavírus.
Enfrentar o vírus como "homem", no caso, significa fazer pouco das recomendações médicas, agir com irresponsabilidade, não ouvir conselhos dos especialistas e sair por aí desrespeitando orientações da Organização Mundial de Saúde.
O fato do presidente contrair o vírus poderia fazer com que ele mudasse um pouco em relação aos cuidados da doença. Por enquanto, isso não aconteceu. Ao anunciar que tinha o vírus para jornalistas, ele tirou a máscara (um infectado sem máscara, olha o perigo!). Os jornalistas tiveram que ser afastados do trabalho. Realmente, tratar a epidemia como "homem" está dando super certo… Só que não.
Sobre a autora
Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.
Sobre o blog
Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.