Ministro Onyx, não queremos vestido de festa de 15 anos: queremos estudar!
Nina Lemos
16/05/2019 18h16
(Foto: Fabio Motta, Estadão Conteúdo)
Ontem, dia em que o Brasil parou por causa de gigantescas manifestações e milhares de estudantes, professores e simpatizantes foram às ruas contra cortes na educação anunciados pelo governo, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, usou uma metáfora no mínimo esquisita. Ele comparou o orçamento de escolas, universidades e instituições de pesquisas com… um vestido de 15 anos.
Em suas palavras, falando sobre os cortes: "É que nem o pai, que tem um salário e sabe que tem que comprar o vestido de 15 anos da filha lá em outubro, mas ele está em maio. Aí, ele vai vendo o que vai entrando, o que vai gastando, e diz: 'ih, pode ser quem não dê, então, eu não vou sair para comprar churrasco, não vai ter cervejinha no final de semana, eu não vou comprar o tênis do João."
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Sim, no mesmo dia em que milhares de meninas e mulheres estavam nas ruas lutando por educação, que professoras davam aulas na rua, que meninas colocavam jalecos, outras, corajosas, levavam suas carteiras da escolas para a rua e subiam nelas, o ministro veio nos falar em… vestido de 15 anos.
Bem, festas de 15 anos são uma tradição que cada vez faz menos sentido e que foi criada para apresentar uma mulher para a sociedade. No passado, para que ela buscasse maridos, pretendentes. Ela é uma mocinha, já pode casar.
O ministro (assim como em geral o alto escalão do governo) parece ter problema para entender as mulheres contemporâneas. Não, senhor ministro, nós não estamos interessadas em vestidos. Inclusive, mulher não pensa só nisso. Queremos ESTUDAR. E, nos casos das mães, educação de qualidade para nossas filhas, para todas as nossas meninas, para que elas cresçam, para que elas sejam inteligentes, realizem coisas. Educação está totalmente ligada à independência, certo?
E, claro, tem quem goste de festa de 15 anos. Nenhum problema. Mas no mundo atual, quem "compra o vestido" não é necessariamente "o pai". 30% dos lares brasileiros são comandados por mulheres, segundo dados do IBGE. Esse mundo em que o pai deixa de tomar cerveja para comprar o vestido que a filha quer não é o mundo atual, não.
Relacionamento abusivo
Essa não é a primeira vez que o ministro e outros integrantes do governo usam metáforas que remetem aos anos 50 para tentar explicar o governo.
O presidente Jair Bolsonaro costuma fazer comparações com relacionamentos. E já comparou a ditadura militar (período em que pelo menos 434 pessoas morreram ou continuam desaparecidas e centenas foram torturadas) com um casamento em crise.
Em abril, quando indagado sobre uma falta de mea culpa sobre toda violência cometida, ele comentou: "Vamos supor que fôssemos casados, tivéssemos um problema, resolvêssemos nos perdoar lá na frente… É para não voltar naquele assunto do passado, que houve aquele mal entendido entre nós. A Lei da Anistia está aí e valeu para todos."
Bem, se a ditadura foi um casamento, foi um relacionamento abusivo com um assassino. Um casamento para qual nenhuma mulher deveria voltar, se é para entrar no mundo das metáforas malucas.
Desde o célebre "meninos vestem azul e meninas vestem rosa", proferido pela ministra Damares, os integrantes do parecem realmente viver em um filme dos anos 50 que não tem nada a ver com a realidade das mulheres.
As meninas não são princesas, em um mundo onde homens vão abrir a porta, e pedir para o pai o direito de estudar. É o contrário disso. Elas estão na rua lutando para ESTUDAR. Elas são milhares.
Será que um dia eles vão conseguir entender? Não se sabe. Mas os meninos e as meninas estão gritando cada vez mais alto.
Sobre a autora
Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.
Sobre o blog
Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.