Quem tem ansiedade entende: Robbie Williams ficou 3 anos sem sair de casa
Nina Lemos
19/07/2019 04h00
Andrew Boyers/Reuters
O cantor Robbie Williams causou surpresa essa semana ao declarar em uma entrevista que ficou três anos sem conseguir sair de casa."Sofri de agorafobia entre 2006 e 2009. Passei esses anos vestido com uma túnica comendo batatas fritas, deixando a barba crescer e ficando em casa. O meu corpo e a minha mente me diziam para não ir a lugar nenhum, que não podia fazer nada", ele disse ao jornal britânico "The Sun".
Williams sofria de agorafobia (uma variação da ansiedade que causa medo de sair na rua e passar mal). Esse é um transtorno comum em quem sofre de ansiedade e síndrome do pânico. Muito comum.
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Eu e todos os fóbicos do mundo entendemos totalmente o cantor. Não fiquei três anos sem sair de casa. Mas já tive momentos em que uma coisa simples, tipo ir até a esquina comprar pão, era um desafio e tanto. Assim como atravessar a rua.
Robbie e eu não estamos sozinhos. A ansiedade acomete 19,6 milhões de brasileiros, segundo os últimos dados da Organização Mundial de Saúde. O risco de mulheres terem a doença, segundo a organização, chega a ser 150% maior do que homens.
Nunca cheguei ao ponto de ficar dias, meses ou anos sem sair de casa, mas eu já:
-Passei anos sem conseguir ir a nenhum shopping center sozinha.
– Agarrei passantes na rua e disse: "moça, por favor, me ajuda, estou passando mal".
– Gastei umas 100 horas de ligação no telefone com a minha mãe, namorados e amigos pedindo: "Por favor, fala comigo. Estou tendo um ataque de pânico. Não desliga."
-Ir a shows, passeatas e outras aglomerações por anos foi impossível (e ainda não é sempre que consigo).
Já são mais de 20 anos em que a frase "acho que vou ter um ataque de pânico" sai da minha boca. No momento, estou bem. O que significa que, medicada, tenho ataques de pânico muito raramente e até shopping lotado eu encaro sozinha de boas. Mas isso, repito, porque estou em uma fase boa. Que assim continue. Bato na madeira.
Epidemia entre brasileiros
Esse ano, tenho visto mais e mais amigos contando nas redes sociais que foram diagnosticados com Transtorno de Ansiedade (segundo a OMS, o Brasil vive uma epidemia da doença e é o país mais ansioso do mundo). Para mim, isso faz todo sentido, já que as coisas estão difíceis mesmo.
Então eu, veterana, queria dizer para os calouros e seus amigos-namorados-familiares que, durante uma crise, o que acontece é o seguinte: coisas muito simples viram epopeias. Voltar para casa em um dia qualquer pode ser para a gente uma aventura tipo uma escalada no Himalaia. Por isso entendo tão bem o Robbie Williams, que chegou a pagar uma multa de 15 milhões por não conseguir fazer um show. Sim, fazer uma coisa que para ele é parte da rotina ficou impossível. Dá aqui um abraço, Robbie.
Durante um ataque de pânico, fazer uma coisa boba como pegar a condução pode virar uma aventura, uma saga. Aconteceu na semana passada. Tive um dia de folga e fui ir até um bairro distante cortar o cabelo. Na hora em que a moça do salão perguntou "Você está bem?", vi que eu não estava mesmo. Eu já suava, o coração acelerava e eu repetia para mim mesma o mantra que sempre repito nessas horas: "não vou passar mal, não vou passar mal, não vou passar mal". Ele se confundia com outra voz que aparece na minha cabeça e grita: "tô passando mal, tô passando mal". Na maioria das vezes, nessa briga, o pânico ganha. Para neutralizá-lo, preciso de gotas de um remédio (receitado por um médico de confiança).
Sabe aquela frase batida do Jim Morrisson: "As pessoas são estranhas quando você está estranho"? Pois é, nesse dia, tudo ficou apavorante. Mas, no fim, cheguei em casa. Sobrevivi. E ainda liguei para os amigos e ri disso tudo. Sim, porque aprendi faz tempo que encarar com humor é a melhor maneira de lidar com a ansiedade que provavelmente vai me acompanhar para sempre. Inclusive porque a síndrome do pânico, assim como a política brasileira, apesar de ser horrível, tem um lado engraçado SIM.
Manias estranhas
Nós, panicados, temos manias estranhas. Uma amiga, por exemplo, vai a passeatas, foge de bomba da polícia, anda de canoa em alto mar, faz tudo que um fóbico teoricamente não conseguiria fazer. Mas ela PRECISA ter óculos escuros na bolsa, seja na hora do dia ou da noite que for.
Uma vez ela foi ao centro da cidade no Rio de Janeiro, lugar que é uma muvuca e ela ama. Estava ótima. Até que colocou a mão na bolsa e procurou os óculos escuros. Não estavam lá. O que aconteceu? Ela começou a ter um ataque de pânico, claro. Viu uma ótica e correu para lá. "Moça, preciso de uns óculos", implorou. Pegou um do mostruário e colocou na cara. "Eu preciso, tô passando mal". A vendedora não entendeu nada, achando que ela era uma assaltante. Bem, ela comprou os óculos. E voltou ao normal.
Minha amiga precisa dos óculos. Eu preciso do telefone carregado. Já carreguei celular em todos os lugares que vocês podem imaginar. Dica: banheiros de rodoviárias ou aeroportos costumam ser ótimos para isso.
Eu poderia escrever um livro sobre isso (quem sabe um dia). Por enquanto, digo para você, amiga companheira de ansiedade, que ter isso não é uma vergonha. Tem gente que tem gastrite, enxaqueca…. E que a gente falar abertamente que tem o problema ajuda muito e facilita a vida. Os colegas de trabalho, por exemplo, podem ser compreensivos numa crise quando sabem dessa questão, assim como os chefes.
E a dica mais importante de todas, como sempre disse a minha analista: ataque de pânico passa. Em geral, dura uns 20 minutos. O problema é o "medo de ter medo". Por causa dele, podemos, sim, fazer o Robbie Williams e nos trancar em casa.
Não é fácil, mas dá para driblar esse medo. Claro que devidamente acompanhados de um profissional. Depois de uma crise, demoro uns dias para me sentir 100% bem, mas, depois, com o celular carregado e o remédio na bolsa, volto à vida normal, na medida em que uma vida pode ser normal, claro.
De resto, pense que você poderia ter uma coisa pior, poderia ser uma pessoa má, poderia ser uma criminosa, não saber os limites entre certo e errado e magoar as pessoas. Nós, panicados, somos apenas pessoas que vagam por aí procurando tomadas em banheiros com cara de pânico. Ou gritando: "me dá um óculos!". Ou: "eu preciso sair daqui!". Ou seja, somos totalmente inofensivos.
Agora, se você está tendo ataques de pânico, claro, procure um médico. E, se der, também faça terapia. De resto, todo mundo tem algum piripaque. Como diz Chico Buarque na música "Ciranda da Bailarina": "medo de subir, gente, medo de cair, gente, medo de vertigem quem não tem?" Na música, ele diz que só a bailarina que não tem. Cada vez acho mais que até a bailarina tem.
Sobre a autora
Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.
Sobre o blog
Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.