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Crise e notícias ruins estão deixando brasileiros doentes. O que fazer?

Nina Lemos

05/08/2019 04h00

Está difícil lidar com as notícias? Pois é (Foto: iStock)

 

O professor Vitor Mazzei, de 37 anos, declarou estar estar com a saúde abalada. "A cada notícia é um abalo físico, talvez psicossomático", ele conta. "Tenho ataques de pânico e ansiedade, pressão arterial altíssima, refluxo, insônia e dores por todo o corpo.

Tudo começou nas eleições presidenciais, quando os ânimos ficaram mais acirrados. E vem piorando. "São coisas que eu sequer imaginava que um dia poderia ter", ele conta. Vitor procurou um médico, está tomando antidepressivos e pensa agora em fazer yoga ou meditação. "Além de tudo, tenho que procurar tratamentos baratos, porque, como a maioria, estou sem grana", ele diz. Vitor nunca tinha tido ataques de pânico na vida. "Eles estão ficando frequentes, tem sido muito difícil. Além de tudo, sou professor da rede privada. Nunca me senti tão acuado e pressionado", ele diz.

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A área da educação, na qual Vitor trabalha, é uma das muitas que está sobre mira do governo, com professores sofrendo ameaças até de que alunos gravem aulas e denunciem "conteúdos ideológicos".

Vitor não está sozinho, muito pelo contrário. Segundo o psicanalista Marcos Donizetti, passamos por um momento em que é impossível não ficar doente. O psiquiatra Alexandre Saadeh, do Hospital das Clinicas, concorda: "Não tem como você não se sentir mal, não ver o aumento da pobreza, por exemplo. Se você não sentir nada, aí sim, é sinal de que você está vivendo em uma bolha e deve se preocupar."

O momento que deixa Vitor doente e preocupa especialistas é esse que estamos vivendo, quando somos submetidos diariamente a declarações de ataques a professores, jornalistas, artistas, LGBTs, mulheres. E sabemos todos os dias de noticias ruins.

Exemplos da semana passada: banalização da tortura e da Ditadura Militar, índios sendo atacados, Amazônia em risco, rebelião em presídio com 52 mortos e… a lista é enorme. A cada dia aumenta. Junto a isso, 40% da população brasileira adulta está endividada e no país há cerca de 13 milhões de desempregados.

Esse é um coquetel que, segundo os especialistas ouvidos pelo blog, pode, sim, fazer as pessoas ficarem fisicamente doentes. 

"Claro que o discurso de ódio, junto ao esgarçamento das relações na sociedade, uma coisa que vem acontecendo, ao meu ver, desde 2014, provoca estados de tristeza e ansiedade que podem comprometer também a saúde física, porque as duas coisas são ligadas", diz Donizetti. Uma das áreas atingidas, por exemplo, ele diz, é o coração. Com muita tensão, a pressão arterial pode subir, para citar um exemplo corriqueiro. 

Síndrome do coração (literalmente) partido

No caso da cientista Ligia Moreiras Sena, criadora do site "Cientista Que Virou Mãe", doutora em Saúde Coletiva, doutora em Ciências e Mestra em Psicobiologia, a doença foi exatamente para o coração. Depois das eleições desenvolvi uma cardiopatia, que ironicamente é conhecida nos Estados Unidos como "síndrome do coração partido." Hoje, tomo remédios para o coração. Fui parar no hospital várias vezes e em algumas ocasiões achei mesmo que poderia morrer", conta.

"Fui candidata a deputada estadual em um coletivo de mulheres mães em Florianópolis. Com isso já fui submetida a muita pressão, ameaças. Depois que parei e pude, enfim, "descansar", passei a ter picos de adrenalina no corpo, que afetaram o meu coração. Segundo ela, isso acontece, principalmente, quando ela lê notícias que atingem o seu campo de trabalho e militância. "Há anos luto contra a violência obstétrica. Quando li, por exemplo, que estavam tentando colocar a cesariana como eletiva pelo SUS, passei mal, tive que me deitar e passar o dia de cama", ela conta.

Ligia Moreira voltou a produzir (Foto: arquivo pessoal)

No seu caso, a parada foi "à força", por indicação médica. "Tenho uma filha. Não posso morrer. Então, eu tive que me forçar mesmo a tentar desconectar, o que é praticamente impossível." 

Ela não tem TV em casa e passou a seguir apenas notícias de alguns sites específicos, além de tentar ficar menos tempo nas redes sociais. "Tenho buscado também procurar amigos com quem eu fale de outras coisas, não só de política e das coisas que acontecem no Brasil. Cheguei a quase brigar com alguns, que me ligam para comentar alguma coisa terrível que aconteceu. Tive que insistir, por exemplo, com um amigo, que era uma questão da minha saúde, que eu estava doente, que me fazia mal de verdade. Foi aí que ele entendeu."

Hoje, Ligia, além da medicação, faz meditação e estuda budismo.

"Não posso parar de trabalhar, sou freelancer, separada, e o pai de minha filha também está com problemas econômicos. Então, tenho que fazer de tudo para ficar minimamente bem, eu não tenho opção."

Controle de danos

Ligia está fazendo exatamente o que os especialistas ouvidos pelo blog recomendam: uma espécie de contenção de danos.

"Quando ouvimos um absurdo que nos causa revolta, nossa tendência nessa hora é gritar, ir para o computador e ficar repetindo que aquilo é um absurdo. Isso é um alívio, sim. Mas não podemos gastar toda nossa libido nisso", diz Marcos Donizetti. 

E cita uma tirinha de quadrinhos. "Eu gosto muito de uma tira que diz: E agora, o que vamos fazer? E a resposta é: vamos fazer poesia!".  Segundo ele, é hora de produzir arte, ler livros, ir ao cinema para não deixar que toda nossa libido seja consumida. Traduzindo: temos que jogar energia também em coisas boas, como arte, sexo, coisas que gostamos de fazer. Segundo ele "produzir e consumir arte"  são também maneiras de elaborar as nossas angústias.

"Você viver a pobreza, ou ver a pobreza e ficar se sentindo desalentado é normal. O que você deve evitar fazer é ficar paralisado. "É melhor encontrar as pessoas que pensam como você, ir a um bar ou tentar encontrar com os amigos do que ficar em um quarto escuro bebendo ou tomando remédio", sugere Saadeh.

"Você tem que tentar se engajar em alguma atividade com grupos que pensam como você. Sim, estamos em uma crise. Isso é fato e não vai se resolver sozinho. Se tentarmos nos reunir e pensar em soluções, por exemplo, isso pode nos fazer bem", diz o psiquiatra. 

Se é fácil? Claro que não. "Tenho muitos pacientes com medo de sair na rua, por exemplo, por causa do aumento da violência ou por serem parte de grupos mais vulneráveis", diz.

Não se paralise

Uma dica de Donizetti que pode surpreender alguns é o famoso: você não tem que se dar bem com todo mundo.

"Você tem que respeitar o seu limite. Se tem alguém da sua família ou um amigo antigo por exemplo, que fala coisas que você não consegue ouvir e lidar no momento porque te fazem muito mal, tudo bem evitar encontrar com aquela pessoa, ou discutir com ela. Isso é se preservar", ele diz.

A documentarista Sara (ela prefere não dar o sobrenome para "se poupar") tem adotado essas medidas depois de romper o ligamento de um joelho e se ver obrigada a ficar de repouso. "Eu estava com muito medo do futuro, tanto no macro quanto pessoalmente, pois trabalho com cinema, com cultura. Por isso, me joguei no esporte. Fiquei jogando vôlei todo dia, com raiva, de uma maneira exagerada. Passei do limite, rompi o ligamento de um joelho e tive que fazer uma operação. Hoje, acho que exagerei, estava jogando toda minha frustração no esporte."

 O repouso, segundo ela, acabou sendo bom. "Sempre convivi com todo tipo de pessoa, respeitei todas as opiniões, por isso, por exemplo, nunca tinha bloqueado alguém no Facebook. Passei meses vendo pessoas de quem eu gosto postando conteúdos homofóbicos, machistas. Demorei muito tempo para perceber que aquilo estava me fazendo mal. Agora, parei de seguir essas pessoas, porque inconscientemente, me faz mal. Também não leio mais comentários de notícias", diz. 

Donizetti chegou a publicar, em dezembro do ano passado, um texto no jornal  "Le Monde Diplomatique" chamado: "Pequeno Manual de conduta e resistência ao controle do discurso e da libido". Ali, ele diz, que vivemos "um sofrer generalizado, marcado pelo enfraquecimento dos laços, pela desesperança e pelo ódio sempre presente, antes adormecido e hoje orgulhosamente sustentado e atuado."

Segundo ele escreve no texto, uma das saídas para lidar com isso é produzir arte e encontrar com os amigos, se reunir. "Não é sem motivo que regimes totalitários em algum momento proíbam encontros e reuniões. O contato e a interação são revolucionários." 

Sara já vem praticando isso. "Depois de ficar doente, parei, pensei, e voltei a produzir. Estava pensando tipo, ah, não vou fazer mais projeto de cinema porque não vai ter financiamento mesmo. Agora, voltei a fazer. Vou continuar a produzir, vou dar um jeito. As coisas vão ter que dar certo. Não vou me deixar paralisar."

Claro, se você não conseguir fazer isso sozinho ou se continuar com ataques de ansiedade, sinais de depressão, procure um médico.

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Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.