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"Foi exagero": Gianecchini e homens que fazem "mansplaining" sobre assédio

Nina Lemos

01/10/2019 04h00

(Reprodução/ Instagram)

Uma vez conversava com um amigo gay, o Vitor Ângelo, e disse para ele: "você está exagerando, isso não é homofobia." Ele, ativista, me disse algo que nunca mais esqueci: "Olha, eu sou gay. Então quando eu falar que foi homofobia, você acredita. Quando você falar que algo foi machismo, eu acredito". Ainda não se falava em lugar de fala, mas entendi tudo ali e nunca esqueci essa conversa. 

Lembrei dela ontem de novo, quando uma amiga chamou a atenção para a declaração de Reynaldo Gianecchini sobre José Mayer, que foi acusado de assédio em 2017, assumiu que o fez e foi demitido da Globo.

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Em uma entrevista publicada ontem no jornal O Globo, ele disse, entre outras coisas, que já transou com homens (legal!). Mas, perguntado sobre assédio, foi lá, e duvidou das mulheres

"Acho que foi injusta essa história. Eu estava na novela junto com o Zé e duvido que ele tenha sido agressivo, passando do ponto no assédio. Há diferenças entre assédio e cantadas. Hoje enxergo uma comoção que não contribui para a verdade. A luta pelos direitos das mulheres às vezes atropela. O Zé Mayer é um puta artista e foi massacrado, sumiu, fechou-se em casa, não quer fazer nada. Houve um exagero com ele".

Bem, a discussão não é sobre se ele é ou não bom ator, mas sobre assédio. E, sim, esse assédio aconteceu. E fez com que várias colegas de Giane (entre elas, muitas famosas) criassem o movimento "Chega de Assédio". Uma marca importante, algo que nunca tinha acontecido em uma TV tão poderosa como a Globo no Brasil.

Mas o mais bizarro sobre a declaração do ator é:  Giane fez um mansplaining (quando o homem explica) sobre assédio! Quando ele diz "que existe uma diferença entre assédio e cantada" (o que de fato existe, mas realmente não parece ter sido o que aconteceu no caso José Mayer), ele está dizendo para as mulheres: "olha, vocês não sabem o que é assédio, eu sei!".

E ele acha que a mulher que denunciou José Mayer não sabe? E que todas as que a apoiaram estavam "atropelando a verdade?" Ok, Giane, você, homem, acha que sabe mais que todas elas. Seria engraçado, se não fosse trágico.

Claro, ele não é o único a querer dar aula de assédio para vítima de assédio.  Esse comentário reproduz um comportamento bastante comum. Na hora da discussão do que é assédio e o que é cantada, por exemplo, muitos caras adoram se meter. "Ah, mas isso não tem nada de mais". "Ah, mas as mulheres gostam?" Vocês não são mulheres para saber do que uma mulher gosta! Mas dou uma dica: a gente gosta bastante de ser ouvida e levada a sério.

Gianne devia aproveitar esse novo momento da sua vida, quando se assumiu bissexual, para ouvir mais as mulheres e confiar no que elas dizem.

Vamos lembrar do básico. Quem faz uma denúncia dessas, principalmente em relação a alguém tão poderoso como José Mayer, sofre retaliações e pressões. Aí chega um homem e resolve tudo: "foi exagero, ele não usaria de violência." Da onde você tira essa certeza?

Enquanto isso, na Fazenda…

No mesmo dia em que foi publicada essa essa declaração infeliz, a TV Record se viu obrigada (por pressão do público) a eliminar um participante por causa de assédio. Phellipe Haagensen deu um beijo forçado na participante Hariany Almeida.

Antes do beijo, ele já tinha dito coisas como ""Bandidinha, fingindo de pão para entrar na linguiça", ou "delícia", ao ver a moça passar.  Espera, alguém acha mesmo que ouvir uma coisa dessas é uma cantada? Depois ele forçou o beijo, o que deixou a audiência chocada.

O próprio público, que viu a cena, concorda que é, sim, assédio.  

Enquanto isso, dentro do reality, homens e mulheres (!) continuam duvidando da moça e sentindo pena do assediador, esse "tadinho que perdeu a cabeça."

A compaixão é um sentimento nobre. Mas e a compaixão com as mulheres que foram assediadas? E a empatia com elas? "Houve exagero", ah, Giane e participantes da Fazenda, façam um favor! 

E para entender o quanto esse tipo de declaração é irresponsável: imagina uma mulher que está se preparando para fazer uma denúncia, por exemplo, contra um chefe, e lê uma coisa dessas. Como ela vai se sentir? Desencorajada, claro. Afinal, vão falar que é exagero!

Se não querem ajudar, bem, não atrapalhem…

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Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.