Topo

"Véio da Havan": o meme é bom, mas vamos continuar espalhando preconceito?

Nina Lemos

03/06/2019 04h00

 

Marcelo Chelo/ Marcelo Chelo

"Veio da Havan". Para quem mora em outro planeta, esse é o nome dado pela internet brasileira, que arrasa em um meme, para o empresário Luciano Hang. O "seu Havan" vive fazendo coisas excêntricas, como gravar vídeos fantasiado de verde e amarelo, ou de Robin Hood.

E também fala absurdos como "Universidade Federal não é educação. É doutrinação marxista" (estudei em Universidade Federal, não é nada disso). Ou seja, eu não admiro (muito pelo contrário) o empresário e já ri muito desse meme.

Veja também

Brasil só vai andar quando pararem de fazer leis idiotas

Rir em notícias tristes não seja um passivo agressivo virtual

A pressão estética por uma vagina perfeita vale mesmo uma cirurgia?

Também não sou admiradora (de jeito algum) do ministro da Educação Abraham Weintraub, que fez um vídeo dançando embaixo de um guarda-chuva dizendo "está chovendo Fake News" e já disse que cortaria verbas de universidades que "fazem balbúdia".

Na quinta feira, quando ele postou o vídeo (um vexame para alguém que ocupa um cargo como o de Ministro de Educação, ainda mais em meio a cortes em escolas e universidades), alguém logo respondeu: "mano, esse véio do guarda-chuva é louco."

Logo, ele foi apelidado no Twitter de "véio do guarda chuva". Alguém, inclusive perguntou, quem seria "o véio" do dia seguinte. Eu achei graça. Confesso que ri. Mas… pera aí!

A gente está falando todos os dias contra o proconceito com a idade! Eu me choco quando Fernanda Montenegro é xingada de velha safada. E vou ficar chamando alguém de velho de alguma coisa? Incoerente, não?

Chamar uma pessoa de velha é perpetuar preconceito com a idade. Não tem outro nome. Como vamos pedir que não chamem as pessoas de "véias loucas" se chamamos o cara de "véio da Havan"? Existiriam muitos outros apelidos possíveis, como, sei lá, o cara da Havan, o moço da Havan, aquele da Havan… mil possibilidades. O Ministro da Educação, por exemplo, já tem outro apelido ótimo: "sinistro da educação". Melhor que "véio do guarda chuva" , não?

E tem mais. Você acha que o empresário e o ministro fazem coisas que desagradam boa parte de nós (eu incluída) porque são velhos? Não, o Ministro chamaria estudante de baderneiro se fosse dez anos mais jovem também! "Ah, mas são as atitudes", dizem alguém. Não me convence. De novo, olhem as atitudes de pessoas idosas como Fernanda Montenegro. Elas são loucas? Muito pelo contrário.

Não estou aqui falando para as pessoas pararem de fazer piada. As coisas estão difíceis, precisamos mesmo rir. E, na hora em que eles se expõem desse jeito, gravando vídeos dançando com guarda-chuva ou vestidos de verde amarelo, eles estão praticamente pedindo por piadas. Mas tem que ser chamar de velho?

Véia louca

Mulheres são constantemente chamadas de velhas loucas, como todos sabem. Não é só a Fernanda Montenegro. Pode ser você, sua mãe, a Madonna, qualquer uma que já tenha passado dos 40 e cause algum desconforto. "Sua velha louca!", gritam. "Sua velha acabada!" "Velha que nem sabe se comportar", dizem uns, com baba de ódio escorrendo.

Hoje mesmo, vi alguém discordar de uma amiga no Twitter: "Aff, já veio aquela velha chata." Espera! Isso é maneira de discordar? Não achei a menor graça quando vi fazerem isso com uma amiga, muito pelo contrário. Fiquei foi com raiva.

Vou achar graça quando é com alguém que eu não gosto? Sim, posso até achar. Mas também não preciso, ou não precisamos, reproduzir o preconceito.

É aquela coisa básica: "não faça com os outros aquilo que você não gostaria que fizessem com você". E, sabe como é, se a moda de véios pega, logo chega a moda das véias.

Ah, mas a gente não pode mais rir em paz? Ora, claro que podemos, mas somos seres capazes de pensar, não? Essa semana, uma amiga de mais de 60 anos me mostrou um post do Facebook onde uma menina de 20 e poucos anos dizia, entre outras coisas, que os velhos são mais reacionários que os mais jovens (não, isso não é verdade). Logo em seguida, veio um jovem fazendo o seguinte comentário: "esses velhos têm que morrer." Sim, eu vi!

Usando termos como "véio da Havan" estamos alimentando isso. Eu vou continuar rindo do "Cara da Havan" e de outros apelidos que surgem na internet. Mas "véio"… desnecessário.

E, por favor, não precisam me chamar de véia chata por causa desse texto…

 

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

"Véio da Havan": o meme é bom, mas vamos continuar espalhando preconceito? - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.